segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

É UM ABSURDO CRER NA PRESENÇA REAL DE CRISTO NA EUCARISTIA?


Desde o inicio da Igreja primitiva, os cristãos sempre manifestaram, seja de forma oral ou escrita, a presença real do corpo de Cristo nas espécies do pão e do vinho. Vários são os exemplos que encontramos nos mais diversos textos que comprovam essa fé, não só na patrística, mas sim, nas sagradas escrituras.  O apóstolo Paulo em sua primeira carta aos Coríntios (escrita por volta do ano 55 d.C) já afirmava que o cálice abençoado é a “comunhão com o próprio sangue de Cristo”, assim como o pão partido fazia do cristão, comungar do próprio “corpo do Senhor” (I Cor 10,16). Em outras passagens da mesma carta, o apóstolo dos gentios afirma que aquele que come do pão e bebe do cálice indignamente, torna-se réu de sua própria condenação (I Cor 11,27-29). Muitos ali já haviam morrido e Paulo afirma que esse “castigo” se deve ao fato de alguns não discerniram o corpo do Senhor (I Cor 11,30-31). No evangelho segundo João, o próprio Jesus já havia lançado os fundamentos que seriam concretizados pela própria Igreja:

Jo 6,55“Pois a minha carne é verdadeira comida e o meu sangue é verdadeira bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele”.

Santo Irineu de Lião (130-202 d.C) em sua obra intitulada “contra as heresias” afirma:

 “Quanto a nós, nossa maneira de pensar está de acordo com a Eucaristia e a Eucaristia confirma nossa doutrina. Pois lhe oferecemos o que já é seu, proclamando como é justo, a comunhão e a unidade da carne e do Espírito. Assim como o pão que vem da terra, ao receber a invocação de Deus, já não é pão comum, mas a Eucaristia, feita de dois elementos, o terreno e o celeste, do mesmo modo os nossos corpos, por receberem a Eucaristia, já não são corruptíveis por terem a esperança da ressurreição”. (Contra as Heresias, livro 4; 18,5)

Assim como Santo Inácio de Antioquia (35-107 d.C), em sua epístolas (Efésios e Esmirniotas), enfatiza que a eucaristia é o remédio para a imortalidade:

“Sobretudo se o Senhor me revelar que cada um e todos em conjunto, na graça que provém do seu nome, vos reunirdes na mesma fé em Jesus Cristo da descendência de Davi segundo a carne, filho de homem e filho de Deus, para obedecer ao bispo e ao presbitério, em concórdia estável, partindo o mesmo pão, que é remédio de imortalidade, antídoto para não morrer, mas para viver em Jesus Cristo para sempre” (Epístola aos Efésios 20,2).

"Eles sem mantêm distantes da Eucaristia e dos serviços de oração, porque se recusam a admitir que a Eucaristia seja o corpo de nosso Salvador Jesus Cristo, que sofreu por nossos pecados e que em sua bondade, o Pai ressuscitou (dos mortos)" (Inácio aos Esmirniotas 7,1).


Já Justino de Roma (
100 a 165 d.C), segue a mesma linha ao dizer:

“Este alimento se chama entre nós Eucaristia, da qual ninguém pode participar, a não ser que creia serem verdadeiros nossos ensinos e se lavou no banho que traz a remissão dos pecados e a regeneração e vive conforme o que Cristo nos ensinou. De fato, não tomamos essas coisas como pão comum ou bebida ordinária, mas da maneira como Jesus Cristo, nosso Salvador, feito carne por força do Verbo de Deus, teve carne e sangue por nossa salvação, assim nos ensinou que, por virtude da oração ao Verbo que procede de Deus, o alimento sobre o qual foi dita a ação de graças - alimento com o qual, por transformação, se nutrem nosso sangue e nossa carne - é a carne e o sangue daquele mesmo Jesus encarnado. Foi isso que os Apóstolos nas memórias por eles escritas, que se chamam evangelhos, nos transmitiram que assim foi mandado a eles" (I Apologia 66,1-3)

Frente a tantos testemunhos, há em nossa era atual, certo desconforto por parte de muitos cristãos que caracterizam tal milagre como “absurdo” e “impossível”. Muitos desconhecem a patrística que narra tal crença na Igreja primitiva, outros, ainda que saibam, creditam a isso um mero simbolismo. Entretanto, se para os primeiros padres a eucaristia é o “antídoto contra a morte” e se para S.Paulo o cálice abençoado é a “comunhão com o próprio sangue de Cristo”, por qual motivo, muitos não creem?

Um dos fatores mais curiosos que tenho presenciado por parte de alguns cristãos, é a falta de fé frente a milagres. Acreditar na presença real de Jesus Cristo nas espécies do pão e do vinho, não é um absurdo, ao contrário, significa absorver que a fé cristã é baseada em milagres e a instituição da eucaristia como um sacramento vivo da presença do Senhor nada mais é que a consolidação da unidade da Igreja.

Se muitos pensam que o milagre eucarístico, não passa de mera especulação teológica, o que dizer dos mais variados sinais atribuídos a Cristo em toda a narrativa evangélica?

Sendo assim, seria também um absurdo acreditar nos milagres realizados por Jesus, tais como:

  • Mudança de água para vinho (Jo 2,1-11); 
  • Cura do filho de um funcionário real (Jo 4,46-54);
  • Cura de um paralítico na piscina de Betesda (Jo 5,1-9);
  • Cura de um cego de nascença (Jo 9,1-41);
  • Multiplicação dos pães para mais de cinco mil pessoas (Jo 6,1,15);
  • Caminhada de Jesus sobre o mar (Jo 6,16-21);
  • Ressurreição de Lázaro após a sua morte (Jo 11,1-44);
  • Exorcismo de um homem dominado por demônio (Lc 4,33-35);
  • Cura da sogra de Pedro (Lc 4,38-39);
  • Cura de um leproso (Lc 5,12-13);
  • Cura de um paralítico (Lc 5,17-25);
  • Cura de um homem de mão aleijada (Lc 6,6-10);
  • Cura de um empregado de um oficial romano (Lc 7,1-10);
  • Ressuscitou o filho da viúva de Naim (Lc 7,11-15);
  • Acalmou uma tempestade (Lc 8,22-25);
  • Curou um homem dominado por legião de demônios (Lc 8,27-35);
  • Curou a filha de Jairo (Lc 8,41-56);
  • Cura de uma hemorroíssa (Lc 8,40-56);
  • Cura de um menino endemoniado (Lc 9,38-43);
  • Exorcismo de um “demônio mudo” (Lc 11,14);
  • Cura da mulher encurvada (Lc 13,11-13);
  • Cura de um hidrópico (Lc 14,1-6);
  • Cura de dez leprosos (Lc 17,11-19);
  • Cura de um mendigo cego (Lc 18,35-43);
  • Curou a orelha cortada do empregado do Sumo Sacerdote (Lc 22,50-51);
  • Curou dois cegos (Mt 9,27-31);
  • Curou a filha endemoniada da mulher Cananeia (Mt 15,21-28);
  • Alimentou mais de quatro mil pessoas (sem contar mulheres e crianças) com apenas sete pães e alguns peixes (Mt 15,32-38);
  • Curou um surdo-mudo (Mc 7,31-37);
  • Curou um cego (Mc 8,22-26).

A maior característica do cristianismo é o milagre! Como dizer que é um absurdo crer na transubstanciação, quando toda a vida de Jesus é puramente feita de sinais! A nossa conversão já e o milagre atuante em nossas vidas! Enquanto Cristo pregava o seu reino, muitos foram os que duvidaram de seus milagres, de suas ações e do seu precioso amor, porém, Ele morreu e ressuscitou e esse grandioso milagre, desafiou todas as regras humanas de nossa existência! O milagre eucarístico acontece, pois, como filhos de Deus, necessitamos dessa continuidade, até que o Senhor retorne e leve para si, a sua Igreja. 

Creia no milagre!

“Meu Deus, eu creio, adoro, espero e amo-vos. Peço-vos perdão para os que não creem, não adoram, não esperam e não vos amam”.               

Paz e bem a todos!

Érick Augusto Gomes 

sábado, 1 de novembro de 2014

O XEOL E A IMORTALIDADE DA ALMA


INTRODUÇÃO

Diferente do novo testamento que apresenta provas concretas de que as almas, após a separação do corpo, possuem um destino (Mt 10,28; Lc 16,22-27; Lc 23,43; Fp 1,23; II Cor 5,8; II Cor 12,2-3; I Pe 3,18-19; I Pe 4,6) o velho testamento, por sua vez, nos remete a uma série de questionamentos sobre qual seria a doutrina correta do destino daqueles que morrem. 

Há abundante literatura que aborda o tema. Por diversas vezes, muitos teólogos procuraram nos escritos vetero-testementários, indícios com informações concretas que ajudassem a entender a teologia judaica sobre tal assunto, porém, as situações encontradas nem sempre foram favoráveis. Tanto a escola mortalista, como a imortalista, ainda sim, procuram entender com uma melhor clareza no que consistia a “morada dos mortos” (Xeol) para o povo hebreu.  

O “Xeol”, assim designado nas passagens do antigo período, pode ser encontrado em diversos textos, entretanto, para cada um, deve ser interpretado levando em conta o contexto apresentado pelo escritor. O Xeol pode significar “abismo”, “sepulcro”, “cova” ou como é melhor conhecido, a “morada ou mansão dos mortos”.  Embora esse termo nem sempre tenha uma ligação direta com a mansão dos mortos, muitos teólogos sempre viram no Xeol, o antigo lugar (antes da vinda de Cristo) onde as almas residiam. A parábola do “Rico e do Pobre” do evangelho de Lucas 16, demonstra o pensamento judaico na época de Jesus, com uma sutil diferença: embora bons e maus tivessem o mesmo destino, alguns teriam uma melhor recompensa. 

O presente texto, não procura criar uma nova dimensão daquilo que já foi debatido exaustivamente, até porque, a doutrina católica é muito solida quanto a isto. A ideia é demonstrar que antes da época macabaica (onde o helenismo era dominante), existiam indícios de que os hebreus não eram inteiramente mortalistas (como alguns protestantes possam sugerir) e sim que alguns pensadores acreditavam que a alma era imortal e residia no Xeol.

Para uma melhor compreensão, as passagens bíblicas que tratam sobre o assunto, foram separadas por livros.

GÊNESIS

Gn 37,35
Texto: “Todos os seus filhos e filhas vieram para consolá-lo, mas ele recusou toda consolação e disse: ‘Não, é em luto que descerei ao Xeol para junto do meu filho’. E seu pai o chorou”.

Comentário: José havia sido vendido por seus irmãos, entretanto, para Jacó, ele tinha sido morto. Israel estava ferido pela suposta morte de José e diz ao restante de seus filhos que não aceitaria as consolações, pois, “desceria ao Xeol para estar junto do seu filho” e isso seria feito em luto. 

NÚMEROS

Nm 16,30 e 33
Texto: “Mas se Iahweh fizer alguma coisa estranha, se a terra abrir a sua boca e os engolir, a eles e tudo aquilo que lhes pertence, e se descerem vivos ao Xeol, sabereis que estas pessoas desprezaram Iahweh. Desceram vivos ao Xeol, eles e tudo aquilo que lhes pertencia. A terra os recobriu e desapareceram do meio da assembleia”.

Comentário: Coré, filho de Isaar, havia enchido seu coração de orgulho e junto de duzentos e cinquenta israelitas, ajuntaram-se contra Moisés e Aarão. Por conta dessa rebelião, o poder de Iahweh “tocou” a terra que abriu a sua boca e como castigo, engoliu Coré, todos os seus homens e toda a sua família. O fato curioso é que todos eles “desceram vivos” ao Xeol que é o local da “habitação dos mortos”. Aqui, o Xeol não é entendido simplesmente em uma perspectiva de sepultura e sim, de um local que está presente na existência. 

DEUTERONÔMIO

Dt 32,22
Texto: “Sim! O fogo da minha ira está ardendo e vai queimar até o mais fundo do Xeol; vai devorar a terra e seus produtos, e vai abrasar o alicerce das montanhas”.

Comentário: Neste versoo Xeol é retratado como um local de existência “física” que é designado nas profundezas da terra.

I SAMUEL

I Sm 2,6
Texto: “É Iahweh quem faz morrer e viver, faz descer ao Xeol e dele subir”

Comentário: É um verso de difícil interpretação. Ora, se as escrituras atestam que os que já estão condenados ou salvos, não podem retornar e tão pouco comungarem da mesma sorte (Lc 16,25-31), como aqueles que estão no “Xeol” poderiam “descer ou subir”? Nesta passagem, o escritor não deseja afirmar que possam existir mudanças em nossos julgamentos e sim, atestar que o poder de Iahweh não se limita as regiões profundas, onde encontra-se a mansão dos mortos, pelo contrário, seu poder é maior que qualquer existência. Uma coisa parece certa: para os judeus, os mortos desciam a essa habitação. 

I Sm 28,19
Texto: “Como consequência, Iahweh entregará, juntamente contigo, o teu povo Israel nas mãos dos filisteus. Amanhã, tu e os teus filhos estareis comigo, e o exército de Israel também: Iahweh o entregará nas mãos dos filisteus”.

Comentário: O verso acima trata-se da visita de Saul a feiticeira de Endor. Existe uma série de interpretações e objeções quanto a esse relato narrado no capítulo 28 de I Samuel. Para entendermos essa passagem, temos que levar em conta alguns pontos:

  • A “necromancia” era uma pratica proibida pela Lei (Lv 19,31);
  • Samuel já estava morto e o profeta já não interveria a favor de Saul (I Sm 27,3);
  • Saul consultou Iahweh por diversas formas e não obteve respostas. O silêncio de Deus, foi um duro golpe (I Sm 28,5-6).

Saul havia expulsado do país os necromantes e adivinhos (I Sm 27,9), porém, em uma atitude desesperada em procurar soluções para a possível armada que se levantaria a favor dos filisteus, pede a seu(s) servo(s) para buscar uma mulher que pratique adivinhação. No decorrer do relato, a mulher “chama Samuel” (V. 12) e o mesmo aparece e inicia o diálogo com Saul (V. 15). Aqui, devemos nos perguntar: Se essa prática é condenava veementemente pelas sagradas escrituras, como foi possível que a alma de Samuel ali aparecesse?

Há alguns teólogos que entendem que este verso não passou de uma “intervenção demoníaca” e que ali não seria, se não, um espírito maligno, entretanto, também podemos analisar o contexto por outras vias. Se Deus não havia respondido ao rei por outras formas, a intervenção de Samuel seria de fato um último aviso da rejeição de Iahweh para com Saul. Deus havia usado a forma “errada de Saul” para de fato, retratar o seu fim. Além de que, é totalmente claro que o escritor ao relatar o acontecimento, deixa claro que é Samuel que ali aparece (V 12). Temos que também, levar em consideração algumas coisas:

  • Se de fato fosse uma intervenção demoníaca, jamais haveria a verdade. Aquilo que a alma de Samuel fala a Saul, retrata momentos vividos pelo profeta enquanto estava em vida (Compare: [I Sm 27,16 = I Sm 16,14]; [I Sm 27,17 = I Sm 16,13]);
  • A alma de Samuel anuncia a morte de Saul e de seus filhos pelas mãos dos filisteus (Compare: I Sm 27,19 = I Sm 31,2-13);
  • O escritor deixa claro que após ouvir as palavras de Samuel, Saul cai ao chão aterrorizado (I Sm 28,20).

É certo dizer que neste caso específico, Deus permitiu que a alma de Samuel se manifestasse verdadeiramente. Existem muitas interpretações de teólogos cristãos que procuraram entender esse acontecimento e embora os livros do cânon hebraico não manifestem qualquer opinião sobre a “alma de Samuel” (do pecado de Saul, sim [I Cr 10,13]), encontramos em um livro deuterocanônico a prova real de que os Judeus, pelo menos em tese, acreditavam que ali estava o próprio Samuel. Assim lemos em Eclesiástico:

Eclo 46,20 – “Até depois de morrer (Samuel) profetizou, anunciou ao rei seu fim; do seio da terra (Xeol) elevou a voz profetizando para apagar a iniquidade do povo”.

A literatura sapiencial afirma que Samuel profetizou após a morte e que do seio da terra elevou a sua voz. Esse “seio” é a morada subterrânea dos mortos (Nm 16,33) de onde Samuel surgiu:

I Sm 27,14 – “Saul indagou: Qual é a sua aparência? A mulher respondeu: É um velho que está subindo; veste um manto”.

Sendo assim, Samuel estava no XEOL. 

II SAMUEL

II Sm 12,23
Texto: “Agora que o menino está morto, por que jejuarei? Poderei fazê-lo voltar? Eu, sim, irei aonde ele está, mas ele não voltará para mim”

Comentário: Davi havia cometido um pecado contra Deus ao tomar para si a mulher de Urias. Betsabéia engravidou do rei e como castigo, a criança veio a óbito (V.18). Essa passagem chama-nos a atenção por expor uma possível crença que até então, não era bem compreendida para a época: a existência de uma habitação onde os mortos residem. Ao que tudo indica, Davi parece crer neste local. Ao ser questionado por seus criados do porque não estar em luto por seu filho, o rei responde de forma severa alegando que já não há nada que se possa fazer, uma vez que, o menino não voltará. Ao contrário disso, é ele que irá ao local em que o menino está (Xeol). 

I REIS

I Rs 17,21-22
Texto: “Estendeu-se por três vezes sobre o menino e invocou Iahweh: ‘Iahweh, meu Deus, eu te peço, faze voltar a ele a alma deste menino! ’ Iahweh atendeu a suplica de Elias e a alma do menino voltou a ele e ele reviveu”.

Comentário: Os versículos acima não relatam a existência do Xeol, porém, nos remete a um assunto sempre retratado em debates teológicos: a imortalidade da alma. Lemos claramente que após a morte do menino, a alma dele havia se separado de seu corpo e que Elias clama a Iahweh para que a “alma do menino volte”. Para a alma retornar ao corpo e animá-lo, é necessário que a mesma continue a existir e diferente do que muitos mortalistas pensam, nesta passagem, seria impossível que ela (alma) tivesse morrido. A não ser que outra alma fosse criada e isso seria absolutamente impossível. Podemos aqui, enxergar a existência do Xeol já que o menino foi ressuscitado e sua alma estando na habitação dos mortos, retornou ao seu corpo.


Jó 14,13
Texto: “Oxalá me abrigasse no Xeol e lá me escondesse até se aplacar tua ira”

Comentário: Jó tem sofrido de forma drástica pela perca dos bens, da família e de terríveis doenças. Embora seja um homem justo, as regras acreditadas pelos antigos de que consequências ruins viriam por algum pecado, parece atormentar a mente desse homem. Em uma atitude desesperada, Jó deseja “abrigar-se no Xeol” onde seria a única mansão fora da terra. Sua vontade em esconder-se nesta habitação, seria pelo fato de poupar-se do possível “furor divino” que tem sido descarregado em sua vida. Aqui, a mansão dos mortos ganha certo destaque na literatura sapiencial.

Jó 17,13a
Texto: “Ora, minha esperança é habitar no Xeol (...)”

Comentário: Assim como na passagem anterior, Jó procura um lugar para abrigar-se da “ira divina” que aplacava a sua vida. Claramente neste verso,  há a confiança de uma morada externa que vem a ser uma habitação fora dali, isto é, um local onde sua alma poderia repousar tranquilamente.  

Jó 19,26
Texto: “Quando tiverem arrancado esta minha pele, fora de minha carne verei a Deus”

Comentário: É incerto afirmar que através desse verso, Jó estaria falando do Xeol, porém, o que nos leva a pensar que havia de fato uma esperança após a morte, é o fato de que fora da carne, ele iria ver a Deus, isto é, após a morte do seu corpo, sua voz não seria reduzida ao silencio (Fl 1,23).

SALMOS

Sl 55 (54),16
Texto: “Caia sobre eles a Morte! Desçam vivos ao Xeol, pois o mal se hospeda junto deles, está no meio deles”.

Comentário: Mais um verso que afirma a existência da “habitação dos mortos”. Semelhantemente a família de Coré que  desceram vivos ao Xeol (Nm 16,33), o salmista parece desejar o mesmo ao seus inimigos.

Sl 86 (85),13
Texto: “Pois é grande o teu amor para comigo: tiraste-me das profundezas do Xeol”.

Comentário: O Xeol também era visto como um lugar de “justos e injustos” (Ez 32,17-32). Em diversas passagens, lemos que as profundezas dessa habitação nem sempre eram bem vistas e que o amor de Deus,  os livraria desse possível caos.

Sl 139 (138),8
Texto: “Se subo aos céus, tu lá estás; se me deito no Xeol, ai te encontro”.

Comentário: Para os escritores do velho testamento, o céu era o local onde Deus habita e o Xeol, o lugar subterrâneo onde existe a morada dos mortos. Mesmo que esse local fosse um profundo silêncio (Sl 115,25-26), Deus também poderia, ali, se fazer presente.

SABEDORIA

Sb 16,13
Texto: “Porque tu tens poder sobre a vida e a morte, fazes descer às portas do Hades e de lá subir”

Comentário: Passagem semelhante a I Sm 2,6. O Senhor é aquele que tem o poder sobre toda a existência. O “Hades” aqui mencionado é a forma grega do “Xeol” (hebraico). Igualmente ao escritor de Samuel, o autor não tem a função de mostrar que as almas que estão na habitação dos mortos, podem dali “subir” e sim, afirmar o poder de Deus que habita em toda a extensão de sua criação. É possível que o escritor da sabedoria, esteja referindo-se a possíveis “ressurreições” que tenham acontecido pela mão dos profetas (I Rs 17,17-23; II Rs 4,33-35).

EZEQUIEL

Ez 26,20
Texto: “Far-te-ei habitar nas profundezas da terra, como as ruínas de outrora, com os que descem para a cova de modo que não voltes a ser restabelecida na terra dos viventes”.

Comentário: A “cova” aqui é sinônimo do Xeol. As profundezas da terra é o local onde as almas dos mortos são reunidas e habitam.

Ez 32,17-21
Texto: “Filho do homem, faze uma lamentação sobre o povo do Egito. Faze com que ele desça, juntamente com as filhas das nações – majestosas – para as regiões subterrâneas, com os que descem à cova. A quem tu sobrepujas em beleza? Desce, deita-te com os incircuncisos, entre os trespassados à espada. A espada caiu: arrastai-a, com toda a sua multidão. Do fundo do Xeol lhe dirão os guerreiros valorosos, seus aliados: ‘Os incircuncisos, trespassados à espada, já desceram, já dormem”.

Comentário: Na passagem acima, lemos uma situação curiosa: a crença de que “bons e maus” poderiam se misturar na habitação subterrânea.  Aqui, o faraó se junta aos exércitos da Assíria, Elam, Mosoc, Tubal que outrora aterrorizavam a terra dos viventes. Faraó é acolhido por todos os bárbaros, que anteriormente a ele, caíram nas batalhas.

DANIEL

Dn 3,86 (parte deuterocanônica)
Texto: “Vós, espíritos e almas dos justos, bendizei o Senhor: cantai-o e exaltai-o para sempre”.

Comentário: Embora algumas passagens do velho testamento possam dizer que o Xeol é um lugar de silêncio (Is 38,18-19), neste texto, a possibilidade de exultar o nome de Deus, nessa região, é possível.

CONCLUSÃO

I Pd 3,18Com efeito, também Cristo morreu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, a fim de vos conduzir a Deus. Morto na carne, foi vivificado no espírito, no qual foi também pregar aos espíritos em prisão.

Jesus com sua morte e ressurreição, inaugurou as realidades do céu, convidando aqueles que outrora haviam prestado toda a adoração a Deus a serem coparticipantes da Igreja celeste.

O Xeol trata-se de uma realidade do velho testamento onde poucos entendiam seu significado e que por conta da revelação que ainda estava incompleta, não poderia criar-se um conceito concreto. Com o advento do Cristo, passamos a entender que esse local subterrâneo, passaria pelo anuncio da boa nova do Senhor (I Pe 4,6) e que posteriormente, as almas dos justos teriam um lugar onde descansariam até a ressurreição dos corpos (Hb 12,22-24).

O salvador desceu as regiões subterrâneas (Xeol):

Ef 4,9  Que significa “subiu”, senão que ele também DESCEU às profundezas da terra?

E dali inaugurou o que conhecemos por “céu”.

O Xeol está ligado diretamente à doutrina da imortalidade da alma, pois, embora não existisse uma real certeza por parte dos judeus, existem provas concretas que após a morte, a alma habitava na “mansão dos mortos”.

In corde Jesu semper

Érick Augusto Gomes