INTRODUÇÃO
Maria é motivo de controvérsia
entre católicos e protestantes. O conflito é antigo e já perduram os séculos.
Desde que o monge agostiniano Martinho Lutero causou a maior ruptura no cristianismo
ocidental, os reformadores foram retirando aos poucos a presença de Maria na
espiritualidade ao ponto de, desconsiderar conceitos e dogmas importantes já
confirmados pela Igreja Católica (Ocidente e Oriente) há séculos atrás.
Atualmente é muito comum que ao procurar qualquer
tema relacionado à Mãe de Deus pela internet, encontremos mentiras e heresias
propagadas por embusteiros que na tentativa de desqualificar a virgem
santíssima, recorrem a péssimos argumentos e manobras que infelizmente, levam
muitos ao engano e a mentira.
A proposta desse novo artigo é defender algo que já
está devidamente refutado pela tradição da Igreja. Não trago aqui, um novo
conceito ou uma nova interpretação, ao contrário disso, uma análise dos erros
grotescos do protestantismo radical que procura fundamento em uma exegese
vazia e puramente humana, isto é, longe da alma cristã.
O texto aqui refutado trata-se de um
“contra-argumento” de um protestante que queria refutar outros católicos sobre
o tema da “graça concedida a Maria” por conta da sua maternidade divina.
Minhas respostas estarão em preto e as do
protestante em vermelho.
1 - Segundo a alegação católica romana, as bíblias
protestantes estariam propositalmente adulteradas porque supostamente não traduzem
o termo Kecharitomene (grego) ou Gratia Plena (latim) pela expressão cheia de
graça, na saudação angélica à Maria. Todas as traduções protestantes usam o
termo "agraciada" ou seja, adulteraram o texto descaradamente. Que o termo KECHARITOMENE significa CHEIA DE GRAÇA, isto
só existe na cabeça dos católicos. É perfeitamente correto e mais fiel
traduzir «Kecharitomene» com «agraciada», «favorecida» ou «muito favorecida» (e
há bíblias católicas que traduzem assim) do que com a expressão «cheia de
graça».
Coloquemos os pingos em suas devidas palavras. A
palavra grega “κεχαριτωμένη” trata-se
de um “vocativo”. O anjo não chama a virgem de Maria e sim já recorre ao uso do
termo grego para indicar qual o motivo da escolha e o quão importante seria sua
coparticipação na história da salvação através de sua maternidade divina. É
como se no momento da anunciação, Maria tivesse trocado de nome, para assim,
ser chamada por aquilo que a representava espiritualmente.
O uso dessa palavra denota de altíssima importância no
relato do evangelista (Lc 1,28), uma
vez que, em toda a literatura bíblica, lemos em um único verso dois
acontecimentos isolados; um de cunho histórico e outro exegético, sendo eles:
1 – [Histórico] Em todo o projeto de salvação sonhado por Deus, jamais
uma mulher havia sido saudada por um Anjo;
2 – [Exegese] Único
registro bíblico do uso do vocativo κεχαριτωμένη
indicando o efeito em que a graça manifestada em Maria traria ao mundo ao
receber o próprio Deus em seu ventre (Mt
1,23).
De fato, a tradução latina da vulgada (gratia plena) não corresponde adequadamente à palavra do original,
onde sua melhor aplicação seria “agraciada”,
entretanto, é necessário compreender que a chave do sentido principal da
palavra não está no vernáculo original de cada país e sim no contexto dos
relatos dos evangelhos sinóticos, onde através deles, descobriremos o porquê
usar “cheia de graça” é muito mais adequado do que a própria tradução poderia
sugerir. É necessário entender que o uso dessas duas palavras por São Jerônimo
permitiu a Igreja interpretar adequadamente o que viria ser a graça atuante em
Maria, desde o início da sua concepção.
Partindo desse pressuposto, podemos
analisar os seguintes pontos:
1 – Maria não recebeu uma graça
particular dentro do tempo (chronos)
e sim, anteriormente a sua própria vontade, já se encontrava em estado de graça
(ευρες
γαρ χαριν) – “Não temas, Maria! Encontraste graça junto de Deus” (Lc 1,30);
2 – Maria, conforme o original
grego é agraciada não por seu mérito, mas sim porque Deus, por meio de uma
“ação prévia” transformou-a para que ela fosse digna de carregar o próprio
Cristo em seu ventre. É por isso que cremos que a virgem foi preservada do
pecado original, uma vez que, a graça derramada na mãe do Salvador permitiu que
fosse a causa principal de sua vocação, que antes mesmo da fundação do mundo,
já estava designada a ser portadora da “maternidade messiânica”;
3 – Assim como Jacó foi escolhido
antes mesmo do seu nascimento (Rm
9,11-13), Maria foi escolhida, preservada e preparada para a missão de ser
portadora de Deus;
4 – Chamar Maria de “agraciada”
significa afirmar que a Mãe de Deus foi transformada pela graça. Não faria
sentido o evangelista S. Lucas usar κεχαριτωμένη
sem que o motivo fosse revelar o dom sobrenatural concedido
pelo altíssimo a virgem santíssima. Essa palavra foi reservada exclusivamente a
Maria como prova de que ela era “cumulada pela graça” santificadora de Deus.
Se entendermos que a Mãe de Jesus possuiu a plenitude da graça ao ser considerada
digna de receber o próprio messias, da descendência de Davi, profetizado pelos
profetas vétero-testamentários, podemos afirmar que a tradução da vulgada esta
corretíssima em afirmar que Maria era e é “cheia de graça”.
Por esse motivo, a Igreja entende que traduzir o vocativo
de Lc 1,28 simplesmente por
“agraciada” não corresponderia satisfatoriamente à consequência do bem
enraizado no ventre de Maria. Jesus Cristo é a plenitude de todas as graças e
para ser digno de carregá-lo por nove meses e torná-lo submisso por trinta
anos, mesmo sendo Deus, só poderia ser caracterizado por alguém que foi
transformado por uma graça anterior ao próprio tempo, isto é, alguém que seria
agraciada pela sombra do altíssimo (Lc
1,35), no caso, Maria Santíssima.
O uso de “agraciada” não é um detrimento a expressão “cheia
de graça”. Enganam-se os protestantes (e até alguns católicos) por pensarem
dessa forma, ao contrário disso, mostra-nos o quão cumulada Maria foi pela
graça santificadora de Deus. A tradução utilizada só procurou retratar com um
maior “peso” o que de fato significaria ser “agraciada” perante o altíssimo.
Ou alguém aqui duvidaria que São Jerônimo, tradutor das
escrituras, dominador do latim, grego e hebraico, erraria ao escrever “gratia plena”? Não se engane, a
interpretação do verso está em pleno acordo com a maternidade messiânica de
Maria e Jerônimo quis retratar esse fato ao mundo na vulgada.
Os protestantes possuem certa preferência a esse grande
santo da Igreja por sua relação pouco amistosa com os livros deuterocanônicos,
isto é, usam-no apenas pelo o que os convém e descartam o restante de seu
pensamento literário e hermenêutico. Usam-no para defender suas heresias
biblistas e o descartam por conta de um único versículo.
Creiamos: Ave Maria, cheia de graça!
2 - A palavra πληρηϲ que pode ser traduzido
por PLENA, CHEIA OU COMPLETO não se encontra no original grego para o
verso de Lucas 1:28. Onde se encontra textualmente a expressão «cheia de graça»
é em outros 2 textos como João 1:14 referindo-se a Jesus, segundo o texto grego
original do CODEX SINAÍTICUS onde se lêπληρηϲ χαριτοϲ. E em Atos 6:8
referindo-se a Estêvão, onde se lê πληρηϲ χαριτοϲ (CHEIO DE GRAÇA). De acordo com o texto grego do CODEX
SINAÍTICUS: Os católicos querem forçadamente traduzir exclusivamente
«Kecharitomene» com «cheia de graça» porque acham que com essa expressão
justificam a imaculada conceição de Maria. Ou seja, dissimulam apontando
adulteração em nossas bíblias quando na verdade eles é quem adulteram para
sustentar suas crendices. Mas como vimos, a Bíblia usa a expressão CHEIO
DE GRAÇA só para Jesus e Estêvão, não para Maria. Para Maria a Bíblia usa a
expressão de agraciada ou muito favorecida. Portanto, se
alguém adultera a Bíblia são as traduções católicas ao traduzir «Kecharitomene»
com «cheia de graça». Para além disso, como dito acima, outras traduções
católicas usam o termo agraciada ou muito favorecida, e não CHEIA DE GRAÇA.
Como já explicado, o uso da expressão “cheia de graça” está
acertadamente traduzido devido ao cenário em que Maria Ss encontrava-se ao
receber a plenitude da graça em seu próprio ventre, que é o Cristo. O grande
problema está em mais uma vez, usar de um argumento fundamentalista na
tentativa de diminuir o peso da palavra “agraciada” como se ela tivesse menos
importância por conta de uma tradução do português ou do latim.
De fato, existem traduções católicas que traduziram o verso
de Lc 1,28 até mesmo com a palavra
“favorecida”, como por exemplo, a “Bíblia do Peregrino”:
Lc
1,28 – Alegra-te,
favorecida, o Senhor está contigo.
Trazendo esse verso para o português, podemos analisar que o uso aqui de
favorecida é um “particípio passivo” que retrata uma ação já realizada. Isto é,
se entendemos que a graça é um favor concedido por Deus, à saudação do Anjo,
chamando-a de “agraciada ou favorecida” afirma que a graça contida em Maria foi
realizada anteriormente a sua própria concepção, ainda que ocorrida pela ordem
natural. Esse acontecimento só seria possível devido à antecipação dos méritos
de nosso Senhor Jesus Cristo. Deus, no uso de sua plena onipotência, prepararia
uma mulher, cumularia-a de graça e semearia seu espírito a fim de que o
salvador habitasse em uma terra santa (ventre) e é nesse sentido que o vocativo
κεχαριτωμένη deve ser interpretado e verificado.
É interessante mencionar que S.Lucas usa πληρηϲ χαριτοϲ (cheio de graça) para Estevão (At 6,8) e recorre a uma palavra diferente e única para Maria. É natural pensar que Lucas (escritor do evangelho e dos atos dos apóstolos) sabia que o vocativo colocado à virgem deveria ser singular de tal forma que representasse a ruptura histórica que aquela criança traria ao mundo. Percebam que a sequência atribuída a pelo evangelista não termina no verso 28, ao contrário, é concluído no verso 30 onde o próprio Lucas realiza a interpretação de seu texto.
Quando o anjo diz que Maria "encontrou graça" (ευρες γαρ χαριν) perante Deus, Lucas utiliza-se de outra expressão encontrada somente no Êxodo que outrora fora dirigida a Moisés:
Ex
33,17 – Iahweh disse a Moisés: “Farei ainda o que disseste,
porque encontraste graça aos meus olhos e conheço-te pelo nome”.
Ex 33,17 – καὶ εἶπεν κύριος πρὸς Μωυσῆν καὶ τοῦτόν σοι τὸν λόγον ὃν εἴρηκας ποιήσω εὕρηκας γὰρ χάρινἐνώπιόν μου καὶ οἶδά σε
παρὰ πάντας
Basicamente, Lucas trabalha com duas
expressões para finalizar de um único modo a sua intenção:
1 – Lucas 1,28: κεχαριτωμένη = agraciada anteriormente ao
tempo. Carrega no ventre a plenitude das graças (Jesus Cristo).
2 – Lucas 1,30: ευρες
γαρ χαριν = Maria encontra graça perante Deus e
Lucas para afirmar que ali nasceria um novo povo, usa às mesmas palavras
escritas pelo autor de Ex 33,17.
Por isso que
mais uma vez afirmo: utilizar a expressão “cheia de graça” ou gratia plena do
vocábulo latino é afirmar o mistério envolvente do nascimento de um Deus que
habitou nove meses no ventre uma mulher.
Frente a
todas as provas escriturísticas apresentadas nesse pequeno bloco, como contestar
a verdade?
3 - O católico acima já começa errado pois no
original grego para o verso de Lucas 1:28 como demonstrado acima, não existe a
expressão CHEIA DE GRAÇA, e sim KECHARITOMENE, se fosse estar como CHEIA DE
GRAÇA, deveria estar em grego a expressão "πληρηϲ χαριτοϲ" e não "κεχαριτωμενη". O Dicionário VINE
expositivo e exegético das palavras no grego em sua pagina 680 assim nos
informa === “Nota: o verbo correspondente charitoõ, “dotar com favor ou graça
divina”, é usado em Lc 1,28 (“agraciada”) e Ef 1,6 (“nos fez agradáveis”)”.
É importante ressaltar que o uso da palavra κεχαριτωμένη também pode ser atribuído a um sentido de “plenitude”, uma vez que, o significado de agraciada nada mais é daquela que foi “transformada pela graça”.
O próprio dicionário “VINE” faz essa exposição ao dizer que o verbo é
correspondente e traduzido por “dotar com a graça divina”. Essa graça é santificadora,
plena e perfeita e é por isso que o evangelista usa acertadamente o vocativo
para indicar o quão grande é o mistério que envolve Maria Santíssima no
processo de salvação.
Ambas as palavras do grego podem ser intercomunicáveis.
4 - O texto grego chama a Estevão
de πληρηϲ
χαριτοϲ que
significa "CHEIO DE GRAÇA", e para Maria usa a expressão κεχαριτωμενη que significa
AGRACIADA ou ALTAMENTE FAVORECIDA e é evidente que um foi AGRACIADO de forma
diferente que o outro, um foi receptor da graça, por ser pecador. Estevão
estava "cheio da graça" de Deus, porém não foi preservado do pecado
original. Quanto a Maria, podemos ver como ela foi AGRACIADA
ao continuarmos a ler 2 versos em seguida: "O anjo
disse-lhe: Não temas, Maria, pois encontraste graça diante de Deus."
(Lucas 1.30 - Bíblica Ave Maria)
E que graça foi esta? Ora, a de ser mãe do nosso SALVADOR JESUS CRISTO, logo, neste sentido Estevão não foi agraciado como Maria obviamente. O texto em nada se refere a ser imaculado.
E que graça foi esta? Ora, a de ser mãe do nosso SALVADOR JESUS CRISTO, logo, neste sentido Estevão não foi agraciado como Maria obviamente. O texto em nada se refere a ser imaculado.
Lucas foi o escritor do terceiro evangelho sinótico e também da obra
intitulada de “Atos dos Apóstolos”. Em duas grandes oportunidades, o
evangelista descreve a ação de Deus mediante a graça recebida e para isso, usa
termos distintos para compreender a missão de cada pessoa. Mais uma vez, é
necessário mencionar que uso do termo grego (κεχαριτωμένη) é unicamente usado nesse verso. Não há qualquer outra passagem bíblica
que seja traduzida com a utilização desse vocativo. A aplicação é clara devido
à missão entregue: enquanto Maria havia sido transformada pela graça para
receber a plenitude da divindade em seu ventre, Estevão era “cheio de graça”
porque havia sido cumulado por Deus dentro do tempo. Lucas usa propositalmente
palavras diferentes, para Maria, a vocação era única e perfeita.
O verbo “agraciar” (χαριτoυν) e a expressão “achar graça” (ευρειν χαριν) não tratam-se de sinônimos, ao contrário disso, seguindo a exegese católica e o enredo bíblico, ambas fazem parte de uma estrutura ternária:
O verbo “agraciar” (χαριτoυν) e a expressão “achar graça” (ευρειν χαριν) não tratam-se de sinônimos, ao contrário disso, seguindo a exegese católica e o enredo bíblico, ambas fazem parte de uma estrutura ternária:
1 –
agraciada (cheia de graça) (Lc 1,28);
2 –
achaste graça (Lc 1,30);
3 –
eis que conceberás (Lc 1,31).
Esses
três encontros decorrem no processo do projeto divino que Deus escreveu para
Maria. Estar agraciada deve-se a uma ação prévia por parte de Deus que criou
Maria com o intuito de que ela fosse “repleta do favor divino”. O anjo diz que
foi encontrada a “graça em Maria” e a concepção do fruto (Verbo encarnado)
revela o porquê da virgem ser “cheia de graça”: a virgem era dona da
maternidade messiânica já profetizada pelo profeta Isaías:
Is 7,14
– “Pois sabeis que o Senhor mesmo vos
dará um sinal. Eis que a virgem está grávida e dará à luz um filho e dar-lhe-á
o nome de Emanuel”.
De
fato, o verso não faz alusão à imaculada concepção de Maria, porém, por
consequência da impossibilidade de pecado do Cristo (Hb 4,15), a Igreja desde muito cedo, entendeu que o ventre de Maria
e a graça concedida em sua plenitude por Deus, tinham como primícia abrigar a
encarnação do altíssimo e por esse motivo, deveria ser sem mácula. Assim como a
arca da aliança foi desejada por Iahweh (Ex
25,10) e nela constava a antiga aliança (Ex 25,16), a vara de Arão (Nm
17,10 – símbolo do sacerdócio) e
o maná (Hb 9,4 – o pão descido dos céus), assim, Maria
sendo a “nova arca”, carregava em seu ventre imaculado o próprio Jesus que
representa a nova aliança (Hb 12,24),
o verdadeiro sumo sacerdote (Hb 4,14)
e o próprio pão descido dos céus (Jo
6,51).
O
uso único e proposital do termo “κεχαριτωμένη”
pelo evangelista Lucas, apenas afirma e corrobora com a santidade da vocação da Mãe de Deus (Lc 1,43).
5 - κεχαριτωμένη não
significa plena, nem mesmo repleta. Tal expressão remete à χαριτόω, e como já dito acima, se fosse significar
CHEIA DE GRAÇA, tal termo teria que ser precedido por πληρηϲ e não κε muito menos terminar em μένη. O prefixo de particípio perfeito (tempo passado
indefinido) "κε" antes do radical χαριτόω indica tempo passado, ou seja, que ela FOI
agraciada, ou favorecida, e o sufixo "μένη" depois do
mesmo verbo, indica estar sendo agraciada no presente contínuo e nada mais
que isso. O que tudo isso quer nos dizer? Ora, que Deus em sua infinita graça,
favoreceu altamente a Maria com uma graça ou favor sem igual que jamais haverá
outro do tipo, e que eternamente tal graça será lembrada.
Mediante
ao já exposto até aqui, é importante, mais uma vez, trabalhar com as palavras
“agraciada” e “favorecida”, já que, o autor das questões parece repetir
incessantemente os termos com o único intuito de desmerecer o uso do vocativo
aplicado por Lucas. O cerne da questão é entender o porquê de nossas traduções
conservarem a expressão “cheia de graça” em detrimento do uso de “muito
favorecida” ou “agraciada”.
Como
o protestante bem afirma, Maria Ss foi altamente favorecida por Deus. E
qual seria esse “favor”? A resposta é encontrada no decorrer do enredo do
evangelho (Lc 1,30): “Achaste GRAÇA”.
Agora,
digam-me: Se o próprio Anjo, afirma que a virgem ENCONTROU GRAÇA perante Deus,
qual a dificuldade de entender que a interpretação do termo está ligada ao
contexto da passagem e não propriamente dito ao uso exclusivo e fundamentalista
de uma única palavra isolada?
O
uso da tradução católica, que segue fielmente a vulgada,
interpreta que ao dizer que Maria é “cheia de graça”, afirma que a Mãe de
Deus foi agraciada e transformada por essa graça santificante oriunda do Deus
altíssimo.
Em
diversas passagens do velho testamento, lemos que o local em que a arca da
aliança se encontrava, era tomado pela presença poderosa de Deus através de uma
nuvem:
Ex 40,34
– “A nuvem
cobriu a tenda da reunião, e a glória
de Iahweh encheu a Habitação”.
Esse
fato ocorreu semelhantemente com Maria, ao ser ela, tomada plenamente pelo
poder de Deus:
Lc 1,35
– “O Anjo lhe respondeu: o Espírito Santo
virá sobre ti e o poder do Altíssimo vai
te cobrir com a sua sombra”
Prender-se
a tradução literal de uma palavra, não compreende o contexto interpretativo do
que a passagem está a oferecer. O termo é único a Maria, não porque fosse um
fato qualquer e sim, porque a graça encontrada por Deus através de Maria era de
fato puramente plena, abundante e cheia.
É
por esse motivo que São Jerônimo, traduz acertadamente que Maria possuía a
“gratia plena” e os motivos são claros:
1
– Foi o próprio Deus que preparou o santo ventre que habitaria Jesus Cristo por
nove meses (Lc 1,35);
2
– O fruto perfeito e sem mácula, presente em Maria, era e é o verdadeiro Deus,
o verdadeiro messias (Mt 1,23; Mt 16,16).
Receber
a sombra do altíssimo e carregar o próprio Deus durante nove meses no próprio
vente, não retrata uma mulher “cheia de graça”? Dessa forma, continuamos com a
interpretação corretíssima que a Igreja Católica nos concede, mediante a ação
do Espírito Santo:
Lucam 1,28 – “Et ingressus ad eam dixit: “ Ave, gratia plena, Dominus tecum”.
6 - O texto (Lc
1:30) faz referência ao nascimento de Cristo por meio de MARIA, essa foi a
enorme graça a ela concedida. O verso nada se refere a ela ser imaculada, estar
sendo imaculada, ou anunciada como sempre sendo imaculada.
Embora
o assunto em questão não seja sobre o dogma da “imaculada concepção” de Maria,
se faz importante afirmar que o versículo de Lucas 1,28 não é o único argumento utilizado pela Igreja para
comprovar a imunidade de Maria frente ao pecado. O verso é de fato, uma
afirmativa verídica de que algo mais que especial havia sido concedido a uma
criatura preparada pelo próprio Deus para receber o SANTO salvador do mundo.
A
nenhum dos outros personagens bíblicos é reservado tal título (kecharitomene) e é a Maria Ss,
semelhantemente a arca da aliança, que Deus habitou em sua plenitude e graça. O dogma da imaculada
concepção é óbvio e não são necessárias muitas explicações. Jesus Cristo, sendo
perfeitamente Deus deveria habitar em um templo santo. Maria recebeu o próprio
verbo (Jo 1,1), a própria palavra.
Como afirmar que seu ventre poderia ser manchado pelo pecado sendo que sua
missão era a mais importante de toda a história da humanidade?
A
saudação do Anjo à Maria não explica o milagre da preservação do pecado
original, mediante os méritos de Jesus Cristo e sim, afirma o que muitos
padres, doutores e teólogos tem ensinado durante os séculos. A fé católica não
trabalha com interpretações pessoais e sim, em pleno consenso de seu
magistério, aliado a tradição e a escritura, assistidas assim pelo Espírito
Santo.
7 - Quem na verdade adulterou o texto se formos
apelar a mesma ladainha destes católicos, foi Jerônimo que adicionou o
"plena de graça" ou "cheia de graça" no texto.
Parece
que o escritor do texto faltou em alguma aula de história do seu curso de
teologia. Devido a grande necessidade
que a Igreja encontrava-se em ter material de fácil acesso e traduzido em uma
língua popular, anteriormente a São Jerônimo, existiram algumas traduções para
o latim por parte de copisas ou leigos que na intenção de preservar os textos e
compartilhá-los com outras comunidades, passaram a traduzir os manuscritos
gregos/hebraicos para o latim, porém, com muitas imprecisões. Esses textos, não
oficiais, foram conhecidos como “Vetus
Latina” (latim antigo). Muito provavelmente, e aqui só podemos conjecturar,
Jerônimo possa ter utilizado alguns desses escritos como um protótipo ou base de consulta para iniciar seus trabalhos que posteriormente seria chamado de
“Vulgata Latina”, essa sim, usada até os dias de hoje pela Igreja Católica.
Curiosamente,
a Vetus Latina traz na passagem de Lc
1,28 o uso de “cheia de graça” para a saudação do Anjo feita a Maria, isto
é, ainda no início das pregações evangélicas, as primeiras traduções para o
latim, anteriormente a Jerônimo, já traziam o título da graça abundante
sobre Maria.
Isto
é, em nenhum momento foi adulterado algum verso, a questão é que os cristãos
primitivos já haviam entendido a plenitude da graça atuante na vida da virgem
Maria. Uma prova memorável de praticamente dois mil anos.
CONCLUSÃO
Afirmemos
pela última vez: o termo κεχαριτωμένη
só aparece única vez em toda a literatura bíblica e tal título é reservado a
Maria Santíssima. É importante mencionar que o verbo χαριτoυν
aparece exclusivamente na passagem de Efésios
1,6 fazendo clara referência a salvação da Igreja:
Ef 1,6
– “Para louvor e glória de sua graça, com
a qual ele nos agraciou no amado”.
Somos
agraciados, mediante a graça derramada por Deus e que vem de Deus para todos os
crentes. E aqui faço a pergunta principal para entendermos o quanto Maria é
cheia de graça:
Qual
é a maior graça (favor imerecido) que recebemos do altíssimo? São João nos dá a
resposta em seu evangelho:
Jo 3,16a
– “Pois Deus amou tanto o mundo que
entregou o seu Filho único”
Quem
é o amado que Paulo diz aos Efésios que por conta dELE nós somos “enchidos de
favores” imerecidos?
Ef 1,7
– “E é pelo sangue deste que temos a
redenção e a remissão dos pecados, segundo a riqueza de sua graça”.
Nós
somos preenchidos por essa graça dentro do tempo, uma vez que, cremos no nome
santo de Jesus Cristo e é esse salvador que corresponde à plenitude das graças.
Maria como a primeira cristã, não foi cumulada de graça devido a uma ação
posterior da sua fé, ao contrário, Nossa Senhora foi cumulada de graça, agraciada, cheia da graça de Deus anteriormente ao seu próprio nascimento para assim, cooperar eficazmente no
plano de salvação. Imaculada devido aos méritos do próprio Senhor que a
preservou maravilhosamente antes de seu nascimento.
Maria
é cheia de graça, pois, carregou o próprio Deus em seu ventre, Ele sim, dono de
TODAS as graças.
Salve
Rainha!
Ave,
María, grátia plena, Dóminus tecum, benedicta tu in muliérbus et benedictus
fructus ventris tui Iesus. Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis,
peccatóribus, nunc et in hora mortis nostrae. Amen.
BIBLIOGRAFIA
1
– Dicionário de Mariologia (Editora Paulus);
2
– Mariologia; síntese bíblica, histórica e sistemática (José Cristo Rey García
Paredes);
3
– Bíblia de Jerusalém;
4
– Vetus Latina