- Antes de iniciar a leitura do artigo, assista ao vídeo do link acima.
“A palavra
oferecida à fé de Maria dá seu fruto no seio que a acolhe” (1). É impossível dizer que Maria tenha
sido uma simples mulher. Diferente de todas as figuras bíblicas que lemos em
toda a trajetória no velho e novo testamento, a “Mãe da Igreja” (CIC 963) foi à única que cooperou de forma
eficaz para a salvação da humanidade uma vez que, deu a Luz ao próprio Deus.
Moisés, Davi, os profetas, tiveram participação importantíssima em todo o plano salvífico
de Deus, mas, foi nela que a promessa foi concretizada na “plenitude dos
tempos” (Gl 4,4-5), pois, a profecia
vétero-testamentária estava ligada a virgem:
Is 7,14 – Pois sabeis
que o Senhor mesmo vos dará um sinal. Eis que a virgem está grávida e dará à
luz um filho e dar-lhe-á o nome de Emanuel.
Maria foi preparada por Deus para herdar em seu ventre
imaculado o próprio verbo de Deus (Jo
1,1). Para tanto, como confirmação dessa verdade, o anuncio do Anjo Gabriel
revela o que Maria possuía de “diferente” para receber tal missão:
Lc 1,28 – Alegra-te,
cheia de graça, o Senhor está contigo!
Nossa Senhora foi “repleta do favor divino”, mas, será
que ela realmente era cheia de graça? O vídeo do pastor presbiteriano Augustus Nicodemus diz
o contrário daquilo que a Igreja Católica sempre preservou e para afirmar sua
tese, ele procura utilizar (ou tentar) os escritos originais (grego).
Para tanto, analisarei aqui cada argumento do “reverendo”
e veremos se de fato ele colocou as palavras em seus locais corretos e se ele
possui uma base sólida para salvar a sua crença. Para facilitar a compreensão,
separei por tópicos suas afirmações no vídeo do link acima e responderei cada
uma seguindo sua sequencia.
1 – “A expressão muito favorecida é uma palavra grega
só, que significa agraciada, aquela que recebeu graça, que é repetido no verso
trinta quanto o Anjo diz a Maria “Não temas porque achaste graça”. Graça aqui é
favor diante de Deus”.
Inicialmente, o reverendo Augustus já comente um
pequeno deslize afirmando que a palavra grega traduzida como “agraciada” se
repete no verso trinta do evangelho. Na passagem de Lucas 1,28 o termo que
define Maria como agraciada / cheia de graça é o κεχαριτωμένη:
Lc 1,28 (Bíblia de Jerusalém) –
Entrando onde ela estava, disse-lhe: “Alegra-te cheia de graça, o Senhor está
contigo”!
Lc 1,28 (Texto
Católico) – καὶ εἰσελθὼν πρὸς αὐτὴν εἶπεν, χαῖρε, κεχαριτωμένη, ὁ κύριος μετὰ σοῦ.
Lc
1,28 (Texto protestante) και εισελθων ο αγγελος προς αυτην ειπεν χαιρε κεχαριτωμενη
ο κυριος μετα σου ευλογημενη συ εν γυναιξιν
Esse
termo se trata de um vocativo, pois, Gabriel dizendo que a virgem era
“agraciada” ele indicava que a palavra estava sendo dirigida a ela sem que
tenha que citar seu nome. O que me chama atenção no vídeo é que o pastor não se
atentou que é a única vez em toda a escritura que esse termo é
empregado. Lucas o reservou exclusivamente para Maria, para assim indicar o
quão importante significava aquela “graça” que foi recebida de Deus.
Já no verso trinta, o termo encontrado para determinar
“achar graça” é ευρες γαρ χαριν:
Lc 1,30 (Bíblia de
Jerusalém) – O anjo, porém, acrescentou: “Não temas, Maria! Encontraste graça
junto de Deus”.
Lc 1,30 (Texto
Católico) – καὶ εἶπεν ὁ ἄγγελος αὐτῇ, μὴ φοβοῦ, μαριάμ, εὖρες γὰρ χάριν παρὰ τῶ θεῶ·
Lc 1,30 (Texto
protestante) – και ειπεν ο αγγελος αυτη μη φοβου μαριαμ ευρες γαρ χαριν παρα τω θεω
Tal expressão utilizada pelo anjo é usada para Moisés e
encontramos termo semelhante para Noé no velho testamento:
Gn 6, 8 – Noé, porém, achou graça
aos olhos do Senhor.
Gn 6, 8 – Νωε δὲ εὗρεν χάριν ἐναντίον κυρίου τοῦ θεοῦ
Ex 33,17 – Iahweh disse a
Moisés: “Farei ainda o que disseste, porque encontraste graça aos meus olhos e
conheço-te pelo nome”.
Ex 33,17 – καὶ εἶπεν κύριος πρὸς Μωυσῆν καὶ τοῦτόν σοι τὸν λόγον ὃν εἴρηκας
ποιήσω εὕρηκας γὰρ χάριν ἐνώπιόν μου καὶ οἶδά σε παρὰ πάντας
Isto é, além do termo de Lucas 1,28 não ser o mesmo
usado no verso trinta, vemos que aqui o evangelista procura apresentar
Maria como uma continuidade dos antigos heróis que foram responsáveis pela
manutenção do povo de Deus. De Noé, nasceria uma nação que povoaria a terra
após o dilúvio, de Moisés, o povo renasceria saindo do Egito e de Maria, uma
Igreja nasceria por meio de Jesus Cristo. Embora a tradução portuguesa equipare os termos os
denominando “graça”, uma verificação rápida nos originais nos permite afirmar
que a profundidade dos termos gregos nos faz entender o porquê Maria é
plenamente agraciada por Deus.
2 – “Essa mesma palavra que aparece no verso vinte e
oito, ‘muita favorecida’, ela aparece no texto de Efésios capítulo um verso
seis que inclusive nós lemos na liturgia de hoje, quando Paulo diz que “Deus
nos concedeu a sua graça em Jesus”. A palavra conceder é a mesma palavra no
original que aparece aqui. A mesma palavra que é usada para Maria é usada para
os crentes”.
Primeiro que em nenhum momento dos dois versos (28 e
30) do evangelho lemos alguma palavra mencionada como “conceder”. O anjo a
saúda chamando-a de “agraciada” e posteriormente menciona que nela foi “achado
graça”, mas, concedida, não há. Aqui, eu só posso dizer como um protestante: “Errais por não conhecer as escrituras” (Mt 22,29). Como já escrevi, o termo que designa a graça de Maria
no verso vinte e oito de Lucas é o vocativo κεχαριτωμένη, isto
é, é impossível que ele apareça na epístola aos Efésios já que essa palavra só
aparece esta única vez em toda a literatura bíblica, aplicada neste contexto
para a mãe do Cristo.
Em Efésios encontramos outra palavra que vem a ser a χάριτοῦν que indica que
foi com a graça de Deus que vem da sua glória que Ele nos agraciou:
Ef 1,6 (Bíblia de
Jerusalém) – Para louvor e glória da sua graça com o qual ele nos agraciou no Amado.
Ef 1,6 (Texto
Católico) – εἰς ἔπαινον δόξης τῆς χάριτος αὐτοῦ ἧς ἐχαρίτωσεν ἡμᾶς ἐν τῶ ἠγαπημένῳ.
Ef 1,6 (Texto
Protestante) – εις επαινον δοξης της χαριτος αυτου εν η εχαριτωσεν ημας εν τω
ηγαπημενω.
Curiosamente, essa expressão só aparece neste texto de
Efésios, isto é, esse termo é encontrado uma única vez no novo testamento
fazendo referencia a graça de Deus derramada sobre a Igreja, sendo assim, as
palavras que aparecem nos textos originais não condizem com a afirmação do
pastor que quer determinar uma única palavra para todas as passagens. Maria foi “cumulada de graça por Deus” e é nítido que
a causa da aplicação de termos distintos é propositalmente para indicar essa
diferença.
3 – “Infelizmente, a tradução latina do grego da
vulgata, que é a Bíblia adotada pela Igreja Católica, quando traduziu isso aqui,
em vez de agraciada, traduziu como “Maria cheia de graça”. É isso que você tem
no latim, na vulgata latina. E como resultado, da a impressão que Maria, não
recebeu um favor de Deus, mas que ela era naturalmente uma pessoa cheia de
graça de Deus, sempre foi de uma maneira especial, quando na verdade o texto
está dizendo que a graça foi o fato de que ela recebeu de Deus o privilégio de
dar a luz ao filho de Deus (...). Não é que ela era uma pessoa agraciada acima
das outras (...).
De fato, a tradução da vulgata que corresponde a
“gratia plena” não corresponde satisfatoriamente ao significado da tradução
correta que vem a ser “agraciada”, entretanto, isso não significa que
“infelizmente” São Jerônimo tenha se equivocado, pelo contrário. O uso da expressão
“cheia de graça” nos permite uma análise profunda no mistério que envolve Maria
na economia da salvação. O mesmo Lucas que escreve que Maria é “agraciada”,
chama Estevão de “cheio de graça” (At
6,8) e para tanto, recorre a expressões diferentes. Para a virgem, o termo
é único e reservado exclusivamente a ela na literatura sagrada.
Maria recebeu um favor de Deus. A graça é um favor
imerecido e a Virgem era “naturalmente” cheia da graça do altíssimo porque Ele
mesmo assim a fez. A interpretação falha do pastor presbiteriano faz com que
ele não perceba que se Maria “encontrou graça diante de Deus”, é devido a uma
ação prévia do Senhor que a agraciou e é por isso que ela é chamada de
agraciada pelo anjo, já que ela foi transformada pela graça, já que ela foi
cumulada por essa graça santificadora que a tornou dona da maternidade
messiânica. Assim como Jacó foi escolhido antes mesmo do seu nascimento (Rm 9,11-13), Maria foi inundada pela
graça para tal vocação. Ela não seria preparada, mas, já estava. A graça de
Deus já refletia em sua santidade.
O pastor Augustus Nicodemus diz que Maria não estava
acima das outras criaturas. Ora, dar a luz ao próprio Deus, não caracteriza um
mérito maior do que os outros salvadores de Israel? Se até Salomão foi único por
não existir sobre a terra outro homem com sua sabedoria (I Rs 4,30-31) quem dirá de Maria, que deu a luz a própria sabedoria
de Deus, ao próprio verbo. A própria
escritura atesta isto ao narrar às palavras do Anjo: “Bendita és tu entre as
mulheres” (Lc 1,28).
Sendo assim, é óbvio dizer que Maria foi à criatura mais
sublime da criação divina, pois, ela deu a luz ao próprio SENHOR.
4 – CONCLUSÃO
Infelizmente o protestantismo não reconhece em Maria o
canal utilizado por Deus Pai para que a salvação chegasse até nós.
Diferente dos (de)reformadores que mesmo após a
ruptura, ainda sim, mantiveram opiniões católicas, o Pastor Nicodemus foge de tudo
aquilo que a história crê e para sustentar sua crença, busca alternativas na
língua grega, porém, erra por desconhecer suas próprias palavras.
Paz e bem a todos!
Érick Gomes.
BIBLIOGRAFIA
(1) R. Meynet, Quelle est donc cette parole? Lecture
“rhétorique” de Évangile de Luc (1-9,22-24) (Cerf, Paris 1979), 155.
Paredes, José Cristo Rey García - Mariologia: Síntese
bíblica, histórica e sistemática; Editora Ave Maria.
Bíblia de Jerusalém – Editora Paulus.
http://www.bibliacatolica.com.br/septuaginta/
http://biblia.gospelprime.com.br/receptus/
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