quinta-feira, 13 de março de 2014

MARIA ERA CHEIA DE GRAÇA?



  • Antes de iniciar a leitura do artigo, assista ao vídeo do link acima.

A palavra oferecida à fé de Maria dá seu fruto no seio que a acolhe (1). É impossível dizer que Maria tenha sido uma simples mulher. Diferente de todas as figuras bíblicas que lemos em toda a trajetória no velho e novo testamento, a “Mãe da Igreja” (CIC 963) foi à única que cooperou de forma eficaz para a salvação da humanidade uma vez que, deu a Luz ao próprio Deus. Moisés, Davi, os profetas, tiveram participação importantíssima em todo o plano salvífico de Deus, mas, foi nela que a promessa foi concretizada na “plenitude dos tempos” (Gl 4,4-5), pois, a profecia vétero-testamentária estava ligada a virgem:

Is 7,14Pois sabeis que o Senhor mesmo vos dará um sinal. Eis que a virgem está grávida e dará à luz um filho e dar-lhe-á o nome de Emanuel.

Maria foi preparada por Deus para herdar em seu ventre imaculado o próprio verbo de Deus (Jo 1,1). Para tanto, como confirmação dessa verdade, o anuncio do Anjo Gabriel revela o que Maria possuía de “diferente” para receber tal missão:

Lc 1,28Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo!

Nossa Senhora foi “repleta do favor divino”, mas, será que ela realmente era cheia de graça? O vídeo do pastor presbiteriano Augustus Nicodemus diz o contrário daquilo que a Igreja Católica sempre preservou e para afirmar sua tese, ele procura utilizar (ou tentar) os escritos originais (grego).

Para tanto, analisarei aqui cada argumento do “reverendo” e veremos se de fato ele colocou as palavras em seus locais corretos e se ele possui uma base sólida para salvar a sua crença. Para facilitar a compreensão, separei por tópicos suas afirmações no vídeo do link acima e responderei cada uma seguindo sua sequencia.   

1 – “A expressão muito favorecida é uma palavra grega só, que significa agraciada, aquela que recebeu graça, que é repetido no verso trinta quanto o Anjo diz a Maria “Não temas porque achaste graça”. Graça aqui é favor diante de Deus”.

Inicialmente, o reverendo Augustus já comente um pequeno deslize afirmando que a palavra grega traduzida como “agraciada” se repete no verso trinta do evangelho. Na passagem de Lucas 1,28 o termo que define Maria como agraciada / cheia de graça é o κεχαριτωμένη:

Lc 1,28 (Bíblia de Jerusalém) – Entrando onde ela estava, disse-lhe: “Alegra-te cheia de graça, o Senhor está contigo”!

Lc 1,28 (Texto Católico) – κα εσελθν πρς ατν επεν, χαρε, κεχαριτωμένη, κύριος μετ σο.

Lc 1,28 (Texto protestante) και εισελθων ο αγγελος προς αυτην ειπεν χαιρε κεχαριτωμενη ο κυριος μετα σου ευλογημενη συ εν γυναιξιν

Esse termo se trata de um vocativo, pois, Gabriel dizendo que a virgem era “agraciada” ele indicava que a palavra estava sendo dirigida a ela sem que tenha que citar seu nome. O que me chama atenção no vídeo é que o pastor não se atentou que é a única vez em toda a escritura que esse termo é empregado. Lucas o reservou exclusivamente para Maria, para assim indicar o quão importante significava aquela “graça” que foi recebida de Deus.

Já no verso trinta, o termo encontrado para determinar “achar graça” é ευρες γαρ χαριν:

Lc 1,30 (Bíblia de Jerusalém) – O anjo, porém, acrescentou: “Não temas, Maria! Encontraste graça junto de Deus”.

Lc 1,30 (Texto Católico) – κα επεν γγελος ατ, μ φοβο, μαριάμ, ερες γρ χάριν παρ τ θε·

Lc 1,30 (Texto protestante) – και ειπεν ο αγγελος αυτη μη φοβου μαριαμ ευρες γαρ χαριν παρα τω θεω

Tal expressão utilizada pelo anjo é usada para Moisés e encontramos termo semelhante para Noé no velho testamento:

Gn 6, 8 – Noé, porém, achou graça aos olhos do Senhor.

Gn 6, 8 – Νωε δ ερεν χριν ναντον κυρου το θεο

Ex 33,17 Iahweh disse a Moisés: “Farei ainda o que disseste, porque encontraste graça aos meus olhos e conheço-te pelo nome”.

Ex 33,17κα επεν κριος πρς Μωυσν κα τοτν σοι τν λγον ν ερηκας ποισω ερηκας γρ χριν νπιν μου κα οδ σε παρ πντας

Isto é, além do termo de Lucas 1,28 não ser o mesmo usado no verso trinta, vemos que aqui o evangelista procura apresentar Maria como uma continuidade dos antigos heróis que foram responsáveis pela manutenção do povo de Deus. De Noé, nasceria uma nação que povoaria a terra após o dilúvio, de Moisés, o povo renasceria saindo do Egito e de Maria, uma Igreja nasceria por meio de Jesus Cristo. Embora a tradução portuguesa equipare os termos os denominando “graça”, uma verificação rápida nos originais nos permite afirmar que a profundidade dos termos gregos nos faz entender o porquê Maria é plenamente agraciada por Deus. 

2 – “Essa mesma palavra que aparece no verso vinte e oito, ‘muita favorecida’, ela aparece no texto de Efésios capítulo um verso seis que inclusive nós lemos na liturgia de hoje, quando Paulo diz que “Deus nos concedeu a sua graça em Jesus”. A palavra conceder é a mesma palavra no original que aparece aqui. A mesma palavra que é usada para Maria é usada para os crentes”.

Primeiro que em nenhum momento dos dois versos (28 e 30) do evangelho lemos alguma palavra mencionada como “conceder”. O anjo a saúda chamando-a de “agraciada” e posteriormente menciona que nela foi “achado graça”, mas, concedida, não há. Aqui, eu só posso dizer como um protestante: “Errais por não conhecer as escrituras” (Mt 22,29). Como já escrevi, o termo que designa a graça de Maria no verso vinte e oito de Lucas é o vocativo κεχαριτωμένη, isto é, é impossível que ele apareça na epístola aos Efésios já que essa palavra só aparece esta única vez em toda a literatura bíblica, aplicada neste contexto para a mãe do Cristo. 

Em Efésios encontramos outra palavra que vem a ser a χάριτον que indica que foi com a graça de Deus que vem da sua glória que Ele nos agraciou:

Ef 1,6 (Bíblia de Jerusalém) – Para louvor e glória da sua graça com o qual ele nos agraciou no Amado.

Ef 1,6 (Texto Católico) – ες παινον δόξης τς χάριτος ατο ς χαρίτωσεν μς ν τ γαπημέν.

Ef 1,6 (Texto Protestante) – εις επαινον δοξης της χαριτος αυτου εν η εχαριτωσεν ημας εν τω ηγαπημενω.

Curiosamente, essa expressão só aparece neste texto de Efésios, isto é, esse termo é encontrado uma única vez no novo testamento fazendo referencia a graça de Deus derramada sobre a Igreja, sendo assim, as palavras que aparecem nos textos originais não condizem com a afirmação do pastor que quer determinar uma única palavra para todas as passagens. Maria foi “cumulada de graça por Deus” e é nítido que a causa da aplicação de termos distintos é propositalmente para indicar essa diferença. 

3 – “Infelizmente, a tradução latina do grego da vulgata, que é a Bíblia adotada pela Igreja Católica, quando traduziu isso aqui, em vez de agraciada, traduziu como “Maria cheia de graça”. É isso que você tem no latim, na vulgata latina. E como resultado, da a impressão que Maria, não recebeu um favor de Deus, mas que ela era naturalmente uma pessoa cheia de graça de Deus, sempre foi de uma maneira especial, quando na verdade o texto está dizendo que a graça foi o fato de que ela recebeu de Deus o privilégio de dar a luz ao filho de Deus (...). Não é que ela era uma pessoa agraciada acima das outras (...). 

De fato, a tradução da vulgata que corresponde a “gratia plena” não corresponde satisfatoriamente ao significado da tradução correta que vem a ser “agraciada”, entretanto, isso não significa que “infelizmente” São Jerônimo tenha se equivocado, pelo contrário. O uso da expressão “cheia de graça” nos permite uma análise profunda no mistério que envolve Maria na economia da salvação. O mesmo Lucas que escreve que Maria é “agraciada”, chama Estevão de “cheio de graça” (At 6,8) e para tanto, recorre a expressões diferentes. Para a virgem, o termo é único e reservado exclusivamente a ela na literatura sagrada.  

Maria recebeu um favor de Deus. A graça é um favor imerecido e a Virgem era “naturalmente” cheia da graça do altíssimo porque Ele mesmo assim a fez. A interpretação falha do pastor presbiteriano faz com que ele não perceba que se Maria “encontrou graça diante de Deus”, é devido a uma ação prévia do Senhor que a agraciou e é por isso que ela é chamada de agraciada pelo anjo, já que ela foi transformada pela graça, já que ela foi cumulada por essa graça santificadora que a tornou dona da maternidade messiânica. Assim como Jacó foi escolhido antes mesmo do seu nascimento (Rm 9,11-13), Maria foi inundada pela graça para tal vocação. Ela não seria preparada, mas, já estava. A graça de Deus já refletia em sua santidade.

O pastor Augustus Nicodemus diz que Maria não estava acima das outras criaturas. Ora, dar a luz ao próprio Deus, não caracteriza um mérito maior do que os outros salvadores de Israel? Se até Salomão foi único por não existir sobre a terra outro homem com sua sabedoria (I Rs 4,30-31) quem dirá de Maria, que deu a luz a própria sabedoria de Deus, ao próprio verbo.  A própria escritura atesta isto ao narrar às palavras do Anjo: “Bendita és tu entre as mulheres” (Lc 1,28).

Sendo assim, é óbvio dizer que Maria foi à criatura mais sublime da criação divina, pois, ela deu a luz ao próprio SENHOR.

4 – CONCLUSÃO

Infelizmente o protestantismo não reconhece em Maria o canal utilizado por Deus Pai para que a salvação chegasse até nós.

Diferente dos (de)reformadores que mesmo após a ruptura, ainda sim, mantiveram opiniões católicas, o Pastor Nicodemus foge de tudo aquilo que a história crê e para sustentar sua crença, busca alternativas na língua grega, porém, erra por desconhecer suas próprias palavras.

Paz e bem a todos!

Érick Gomes. 

BIBLIOGRAFIA

(1) R. Meynet, Quelle est donc cette parole? Lecture “rhétorique” de Évangile de Luc (1-9,22-24) (Cerf, Paris 1979), 155.

Paredes, José Cristo Rey García - Mariologia: Síntese bíblica, histórica e sistemática; Editora Ave Maria.

Bíblia de Jerusalém – Editora Paulus.  

http://www.bibliacatolica.com.br/septuaginta/

http://biblia.gospelprime.com.br/receptus/

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