INTRODUÇÃO
O purgatório não é o céu e muito
menos o inferno. É necessária uma real compreensão do que aqui será exposto,
pois, ainda sim, existem os menos avisados que continuam a pensar que o estado
de purgação dos pecados é o próprio inferno. O purgatório não é um lugar e sim,
um estado. O Catecismo da Igreja Católica, em seu parágrafo CIC1030 expõe tal doutrina da seguinte
forma:
“Os
Que morrem na amizade de Deus, mas não estão completamente purificados, embora
tenham garantida sua salvação eterna, passam, após sua morte, por uma
purificação, a fim de obter a santidade necessária para entrar na alegria do
céu”.
A Igreja denomina esse estado de
purgação como a purificação final dos eleitos que já conquistaram a salvação
mediante a fé em Jesus Cristo. A grande problemática do purgatório para aqueles
cristãos que não creem, é conciliar principalmente a purificação oferecida de
tal estado com a remissão da culpa através do sangue do salvador. A maioria dos
argumentadores que procuram defender a inexistência do purgatório, utilizam
como fonte principal a ideia que não poderia existir outro modo de expiação e
por isso, o purgatório feriria a purificação universal do Cristo.
Sendo assim, se nós católicos,
temos a plena consciência que o “Cordeiro de Deus” é aquele que tira o pecado
do mundo, como explicar a existência de tal estado e o pensamento da
Igreja?
A IDEIA LÓGICA DO PURGATÓRIO
Jesus em seu sacrifício salvador
e de expiação de nossos pecados, tomou sobre si todas as nossas culpas (Hb 9,15) e por esse motivo, hoje, temos
acesso ao perdão. Sendo assim, sabemos que pelo sangue do Cristo, limpamos as
nossas faltas (veniais ou mortais), entretanto, enquanto estivermos vivendo na
carne, continuamos a pecar.
Se continuamos a pecar, temos a
necessidade do perdão e por essa necessidade ser tão eminente, confessamos as
nossas culpas afim de sermos absolvidos, porém, isso nos isentará de futuras
quedas? De forma alguma! Embora estejamos em uma luta constante na busca pela
santidade, sabemos que o espírito está pronto, mas, a carne é fraca (Mt 26,41) e que como pecadores,
carecemos da misericórdia de Deus (Rm
3,23).
Por sabermos de nossas continuas
faltas, temos a plena consciência que podemos ser chamados a despedirmo-nos
deste mundo (morte) sem que tenhamos nos arrependido plenamente de nossos
pecados e é aqui que a “lógica do purgatório” faz todo o sentido. O sangue de
Jesus Cristo nos purifica de todas as nossas faltas, entretanto, se morrermos
sem termos tido a chance de refletir sobre nossas culpas, estaríamos condenados
por não termos a chance do perdão? De
forma alguma. A Igreja ensina que as faltas leves podem ser absolvidas mediante
ao estado de purgação que é na verdade o “fogo do amor de Deus”.
O purgatório é o destino daqueles
que já estão salvos e não dos que se perderam. Diferente das demais “denominações
cristãs” que não possuem uma resposta plausível para aqueles que morrem e
possuíam “pecados não arrependidos”, a fé católica entende que tais faltas,
ainda que não tenham ganhado o perdão em vida, podem ser perdoados mediante a
oração dos fieis pelas almas que estão no purgatório.
Sendo assim, é nada mais lógico
pensar que se subitamente viermos a morrer e não tivermos a chance de nos
arrepender de algumas faltas leves, passaremos pelo estado que a Igreja entende
como “purgatório”.
O PURGATÓRIO NAS ESCRITURAS SAGRADAS
Pode ser que você nunca tenha
lido a palavra “purgatório” na bíblia, assim como tenho certeza de que nunca
leu a palavra “trindade” e ainda assim, crê que o “Pai, o Filho e o Espírito
Santo” sejam um com base em muitos outros versos que nos traduzem essa
realidade. De fato, você não encontrará a palavra purgatório nas escrituras
sagradas, porém, descobrirá que existem provas de que o estado de purgação
dos pecados é real. Ao verificarmos a literatura bíblica, poderemos ler que um
fogo purificador oriundo de Deus, pode limpar as faltas.
Vejamos o que nos relatas as
escrituras sagradas:
O profeta Isaias ao declarar-se
pecador perante Deus, recebe a purificação de seus lábios e pecados por conta
de uma “brasa” que é retirada por um serafim do altar do Senhor.
Is 6,5-7 – “Então disse eu: Ai de mim, estou perdido!
Como efeito, sou homem de lábios impuros e vivo no meio de um povo de lábios
impuros e meus olhos viram o Rei, Iahweh dos exércitos. Nisto, um dos serafins
voou para junto de mim, trazendo na mão uma
brasa que havia tirado do altar com uma tenaz. Com ela tocou-me os
lábios e disse: Vê, isto te tocou os lábios, tua iniquidade está removida, teu pecado esta perdoado”.
Semelhantemente, nos escritos do
profeta Zacarias, Deus afirma que seu povo será purificado pelo fogo:
Zc 13,9a – “Farei esse terço entrar no fogo,
purificá-lo-ei como se prova o ouro (...)”.
Na presença de Deus o pecado não
pode ser perpetuado. Ao morrermos com nossas faltas, sem que tenhamos nos
arrependido verdadeiramente, não podemos adentrar na presença do Senhor sem que
estejamos totalmente purificados. No livro das revelações escrito por João, é
mencionado que na nova Jerusalém, “nada de imundo poderá entrar”.
Ap 21,27a – “Nela jamais entrará algo de imundo (...)”.
Se nada de impuro pode entrar no
Reino de Deus, como ter as faltas perdoadas, já que poderemos morrer sem que
peçamos perdão por elas? A resposta é clara: através do purgatório. Embora a
palavra seja desconhecida biblicamente, sabemos pelo próprio registro de Judas
Macabeu, que anteriormente a Jesus Cristo, já existia uma prática entre os
judeus de realizar ofertórios pela remissão dos pecados dos irmãos falecidos e
esse costume estava ligado diretamente à crença da ressurreição dos mortos.
II Mc 12,43-45
– “Depois, tendo organizado uma coleta,
enviou a Jerusalém cerca de duas mil dracmas de prata, a fim de que se
oferecesse um sacrifício pelo pecado: agiu assim absolutamente bem e
nobremente, com o pensamento na ressurreição.
De fato, se ele não esperasse que os que haviam sucumbido iriam ressuscitar, seria supérfluo e tolo rezar pelos
mortos. Mas, se considerava que uma belíssima recompensa está reservada para
aqueles que adormecem na piedade, então era santo e piedoso o seu modo de
pensar. Eis por que ele mandou oferecer esse sacrifício expiatório pelos que
haviam morrido, a fim de que fossem absolvidos do seu pecado”.
Uma vez que Judas acreditava
nesse ensino (mesmo que o Cristo ainda não estivesse em seu meio), a Igreja
cristã passou a considerar que essa possibilidade era totalmente plausível já
que a ressurreição era uma doutrina integralmente cristã e rezar pelos mortos
que não tiveram a possibilidade de se arrepender de suas faltas, seria digno e
piedoso. Nosso Senhor Jesus Cristo ao
ser ofendido pelos fariseus que o acusavam de “expulsar demônios pelo espírito
de Beelzebu (Mt 12,24)”, afirma que
o pecado contra o Espírito Santo não poderá ser perdoado nesse mundo e tão
pouco no outro.
Mt 12, 32- “Se alguém disser uma palavra contra o Filho
do Homem, ser-lhe-á perdoado, mas se disser contra o Espírito Santo, não lhe
será perdoado, nem nesta era, nem na outra”.
É nessa perspectiva mencionado
pelo Cristo como “outro mundo (era)” é que a Igreja entende que determinadas
faltas podem ser perdoadas no estado de purgação dos pecados. Em outra
oportunidade, Jesus ensina a seus ouvintes que enquanto estivermos no caminho
(vida), devemos assumir uma atitude conciliadora com nossos irmãos, ao
contrário, após a morte, seremos julgados pelo juiz (Deus) que poderá assim,
lançar-nos em uma prisão (purgatório) e que sairemos dali apenas quando pagarmos
o último centavo da dívida (pecado).
Mt 5,25-26 – “Assume logo uma atitude conciliadora com o
teu adversário, enquanto estás com ele no caminho, para não acontecer que o
adversário te entregue ao juiz e o juiz ao guarda e, assim, sejas lançado na
prisão. Em verdade te digo: dali não sairás, enquanto não pagares o último
centavo”.
Por fim, Paulo em sua epístola
aos coríntios explica que aquele que tiver a sua obra queimada, perderá a
recompensa (céu), entretanto, este a quem perde-la, ainda sim poderá ser salvo
e essa salvação será através do “fogo” que é a purificação concedida por Deus
através do seu infinito amor para com o pecador.
I Cor 3,14-15
– “Se a obra construída sobre o fundamento
subsistir, o operário receberá uma recompensa. Ele mesmo, entretanto, será
salvo, mas como que através do fogo”.
Sendo assim, se não tivermos a
oportunidade de nos redimir dignamente de nossas “faltas leves”, ainda sim,
seremos salvos pelo sacrifício redentor de Jesus Cristo, porém, para
adentrarmos na presença de Deus, devermos ser purificados.
Mc 9,49 – “Pois todos serão salgados com fogo”.
O PURGATÓRIO NA TRADIÇÃO DA IGREJA
Paralelamente
as escrituras sagradas, os relatos dos nossos primeiros pais, nos revelam que a
realidade do purgatório era cultivada de forma viva e mesmo que ainda não fosse
um dogma oficial da Igreja, já existiam relatos da crença que ao longo dos
tempos, foi tornando-se cada vez mais nítida aos olhos dos cristãos.
Os textos
aqui apresentados são fontes retiradas dos primeiros séculos da Igreja e são
piedosos em suas verdades.
Abércio (Fim do século II e início do III / Epitáfio de
Abércio) - "Cidadão de pátria
ilustre, / Construí este túmulo durante a vida, / Para que meu corpo - num dia
- pudesse repousar. / Chamo-me Abércio: / Sou discípulo de um Santo Pastor, /
Que apascenta seu rebanho de ovelhas, / Por entre montes e planícies. / Ele tem
enormes olhos que tudo enxergam, / Ensinou-me as Escrituras da Verdade e da
Vida / [...] / Eu, Abércio, ditei este texto / E o fiz gravar na minha presença
/ Aos setenta e dois anos. / O irmão que o ler por acaso / Ore por
Abércio."
Atos
de Paulo e Tecla (160) - "E após a exibição,
Trifena novamente a recebeu. Sua filha Falconila havia morrido e disse para ela
em sonhos: 'Mãe: deverias ter esta estrangeira, Tecla, como a mim, para que ela
ore por mim e eu possa ser levada para o lugar dos justos".
Clemente
de Alexandria (215 / Stromata 8.6) - "Porém,
nós dizemos que o fogo santifica não a carne, mas as almas pecadoras;
referindo-se não ao fogo comum, mas o da sabedoria, que penetra na alma que
passa pelo fogo"
Tertuliano
(195 / Da Alma 58: PL2.751) - "Por
isso, é muito conveniente que a alma, sem esperar a carne, sofra um castigo
pelo que tenha cometido sem a cumplicidade da carne. E, igualmente, é justo
que, em recompensa pelos bons e piedosos pensamentos que tenha tido sem a
cooperação da carne, receba consolos sem a carne. Mais ainda: as próprias obras
realizadas com a carne, ela é a primeira a conceber, dispor, ordenar e pô-las
em alerta. E ainda naqueles casos em que ela não consente em pô-las em alerta,
no entanto, é a primeira a examinar o que logo fará no corpo. Enfim, a
consciência não será nunca posterior ao fato. Consequentemente, também a partir
deste ponto de vista, é conveniente que a substância que foi a primeira a
merecer a recompensa seja também a primeira a recebê-la. Em suma: já que por
esta lição que nos ensina o Evangelho entendemos o inferno, já que 'por esta
dívida, devemos pagar até o último centavo', compreendemos que é necessário
purificar-se das faltas mais ligeiras nesses mesmos lugares, no intervalo
anterior à ressurreição; ninguém poderá duvidar que a alma recebe logo algum
castigo no inferno sem prejuízo da plenitude da ressurreição, quando receberá a
recompensa juntamente com a carne"
São
Cipriano (246 / Epístola 51.20) - "Uma coisa é pedir perdão;
outra coisa, alcançar a glória. Uma coisa é estar prisioneiro sem poder sair
até ter pago o último centavo; outra coisa, receber simultaneamente o valor e o
salário da fé. Uma coisa é ser torturado com longo sofrimento pelos pecados,
para ser limpo e completamente purificado pelo fogo; outra coisa é ter sido
purificado de todos os pecados pelo sofrimento. Uma coisa é estar suspenso até
que ocorra a sentença de Deus no Dia do Juízo; outra coisa é ser coroado pelo
Senhor"
Orígenes (231 / P.G 13,col. 445, 448) - "Pois se sobre o fundamento de
Cristo construístes não apenas ouro e prata mas pedras preciosas e ainda
madeira, cana e palha, o que esperas que ocorra quando a alma seja separada do
corpo? Entrarias no céu com tua madeira, cana e palha e, deste modo, mancharias
o reino de Deus? Ou em razão destes obstáculos poderias ficar sem receber o
prêmio por teu ouro, prata e pedras preciosas? Nenhum destes casos seria justo.
Com efeito, serás submetido ao fogo que queimará os materiais levianos. Para
nosso Deus, àqueles que podem compreender as coisas do céu, encontra-se o
chamado 'fogo purificador'. Porém, este fogo não consome a criatura, mas aquilo
que ela construiu: madeira, cana ou palha. É manifesto que o fogo destrói a
madeira de nossas transgressões e logo nos devolve o prêmio de nossas grandes
obras"
CONCLUSÃO
Jesus Cristo
deu ao mundo a chamada “salvação universal”, através do seu sacrifício na cruz
do calvário, derramou piedosamente seu sangue para que assim, todo o gênero humano
tivesse a oportunidade de ser salvo. Todo o pecador que se arrepende e confessa
com toda a honestidade seus pecados, recebe a absolvição mediante a entrega de
amor feita por nós, onde o salvador deu-se por completo para que fossemos
libertos, entretanto, ainda em nossa carne mortal, continuaremos a pecar cotidianamente.
Ainda que
tenhamos pecado e não tivermos a chance de obter o perdão e arrepender-nos
verdadeiramente, sabemos que o purgatório é um sinal de grande esperança dada
por Deus e que após a morte poderemos ser purificados de nossas faltas, para
que assim, estejamos preparados para contemplar Nosso Senhor face a face!
FONTES
- Bíblia sagrada de Jerusalém;
- Citações patrísticas: Apologistas Católicos
Paz e bem a todos!
Érick Augusto Gomes
Artigo perfeito!
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